Inesperadamente ela foi tomada por um desânimo gigantesco. Havia um filete da sua alma em algum lugar, vagando entre tantos espaços preenchidos de nada. As lacunas se estreitavam e lhe tiravam o fôlego. Arfava. Seu andar era cada vez mais apressado e respirar se tornava uma tarefa ainda mais difícil. Sua visão embaçava e o cerco se fechava mais e mais. Entrava num estado de vertigem, anestesiada pelo odor ocre que circundava seus sentidos. Numa espécie de transe, no paroxismo de toda a sua aflição, conseguia não pensar em mais nada. Estava pálida, desnorteada, embebida de uma cólera intempestiva, contra a qual não podia lutar. Arrastava-se por toda aquela imundície e essa total falta de asseio a incomodava. Movia-se cada vez com mais dificuldade, tentaria ainda alçar sobre tanta mediania. Desesperada, derramava lágrimas que não causavam nenhum efeito a quem passava. Clamava por ajuda e o seu brado parecia emudecer.
Entretanto, toda aquela estranheza que a moça vinha percebendo pareceu não lhe tirar o que de mais valioso ela possuía. Seus devaneios de vaga compreensão tornavam-na ainda mais abstrata e, por sua vez, singular, ímpar. A sua beleza ressaía e só poderia ser notada por alguém com olhos igualmente belos, pois transcendia qualquer tipo de figura, e aquilo que a rodeava era indigno de manifestações que partissem dela. Era uma ilustração exótica, com olhos firmes, fixos, determinados. Seu sorriso era de menina e ela parecia frágil.
A moça ia vivendo numa uniformidade irritantemente insípida, uma monotonia constante, mas não esquecia que havia de honrar seus princípios e lutar por suas causas. Mal sabia ela que, em algum lugar do universo e mais perto do que ela imaginava, havia também alguém que sentia o mundo como ela, que se incomodava com as mesmas coisas, que possuía desejos incontroláveis e gritantes dentro de si, que gostava de substâncias sápidas, de imagens coloridas, de sensações verdadeiramente sinestésicas. Alguém tão intensa quanto ela era e esperava que os outros fossem. Eram as duas metades do mesmo verso e isso tinha que vir à consciência. Feito isso, o mundo não seria mais o mesmo. Um encontro seráfico acontecia e ambas pareciam sorrir meigos sorrisos, de satisfação e entrega. Amavam-se antes mesmo de tomar conhecimento daquele sentimento de amizade e cumplicidade. Sentiam-se ao longe, mesmo quando os corpos não estavam perto e a matéria era mero detalhe. Seus pensamentos uniam-se, davam as mãos e bailavam canções que só elas entendiam. Abraçaram-se, como forma de selar um acordo. E permaneceram assim... Durante muito tempo.
(pra você! 05/07/07, às 04:03)
sábado, 7 de julho de 2007
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