segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Estrelas


A noite vinha e, junto com ela, vinha também a ansiedade, a incerteza e as Estrelas. Elas vinham devagar, teimando contra a própria gravidade, ao meu encontro. Singelas, suaves, brilhantes. Os olhos se encontravam sem jeito e os sorrisos, cada vez mais sem graça, pediam o encontro das mãos. E assim se fez. As mãos se apertaram, a noite era quente. O brilho dos olhares confundia-me a cabeça, o céu estava mais próximo do que se imaginara. Os corpos celestes, inebriados pelo delicado toque, extravasavam sensações, bailavam tenros acordes, e a harmonia parecia estabelecer-se.
Inexplicavelmente, as Estrelas tinham um brilho tão intenso que a física quântica desconheceria. Essa vivacidade que possuíam me prendia os olhos e me abduzia, deixava-me num transe cíclico, num conflito que fazia meu coração disparar, numa implacável exaltação. Esse êxtase indizível só fazia com que eu as contemplasse mais e mais. Eu suspirava pela sua magnitude absoluta e tinha medo do que aconteceria depois, depois, depois...
Ah, as Estrelas...

sábado, 1 de setembro de 2007

Foi-se...

Foi-se o tempo em que as pessoas cantavam a nostalgia das tardes de incessantes abraços.
Foi-se o tempo em que as mãos unidas, assíduas, representavam um só corpo, com o mesmo suor saindo pelos poros.
Foi-se o tempo em que a timidez era o resultado de compassivos olhares trocados e os rostos ficavam tão rubros, a ponto de queimarem de tanto acanhamento.
Foi-se o tempo em que havia a impávida necessidade de auto-afirmação e de se provar capaz.
Foi-se o tempo em que a companhia era deglutida e absorvida como um todo.
Foi-se o tempo em que saudades eram sentidas, como lanças afogueadas que perfuravam os corpos, enchendo-os de ardor.
Foi-se o tempo em que essas saudades eram satisfeitas e renasciam logo após, como chamas ainda mais vivas, audaciosas labaredas.
Foi-se o tempo do amor.
Do amor...

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

O circo.

Era uma vez um circo.
Palhaços, mágicos e saltitantes bailarinas.
Na platéia, adultos trágicos, e alturas pequeninas.
Abriu-se a cortina.
“Lá vem”, disse o pai;
Enquanto ria-se a menina.
Do palhaço que debochava do palhaço que caia tropeço acima.
“Nada demais”, zombou a pobre da granfina.
O homem lá em cima gritou o pipoqueiro.
“Shhhh!”, respondeu, crítica, a atenciosa traquina.
Cujos olhos abobalhavam-se com o despudor do equilibrista.
Que caía e não caía aos passos da sua retina.
Era apenas uma menina.
Passaram elefantes, leões e alguns domadores.
Passou também a “mulher balofa”, chamada Serafina.
Engraçado, riu-se mais a moça do que a criança cristalina.
Enfim, veio o mágico, que, com lenços e maestria, fazia a alegria da Sabrina.
“É truque”, falou um homem alto que cheirava a cafeína.
E a garotinha não desistia de encontrar um vacilo nas mãos do mágico.
Mas se conformava feliz.
“Ele tem poder”, era sua sina.
Que não a mesma do pai, do homem alto e da granfina.
Tão perfeita em sua rotina.
Eram pálidos, tiraram a maquiagem de suas próprias bailarinas.
Tão diferente das infâncias.
Que queriam, logo, pintar-se atrás daquelas cortinas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Meus olhos estavam marejados de lágrimas e encharcados de saudades. Permaneci imóvel, embriagada pelo sabor daquelas palavras que teimavam em saltar do papel e me preencher de certa forma que me fazia remontar tempos longínquos. Aquela sensação de nostalgia e a breve emoção vinha inconscientemente e minhas mãos suavam frio, tremiam. Com a visão embaçada, as letras já se misturavam e eu preferi fechar os olhos e deixar que a imaginação me levasse a onde eu desejava. A partir de então, a luz se fez e as figuras tornaram-se sólidas, nítidas, não mais embaçadas como antes. A névoa que pairava à minha frente foi esvaindo-se, dissipando-se pouco a pouco... O mundo então recuperou toda a lógica que havia sido entregue aos insensatos. A coerência e loucura andavam lado-a-lado e a demência dos meus olhos, estavam nos seus e nos dele também. Senti meu corpo dormente, pensei que não iria voltar nunca mais. Suei, senti, troquei os pés, atei-os e não mais andei. Desvairada estava. Desvaneci.

terça-feira, 7 de agosto de 2007

Clarice.

Sinto-me desprezível a ponto de desistir de mim. Parece que a alma sai pelos poros, dilacerando a pele, restando ao corpo somente um vacúolo de tristeza interminável. Perco a vontade de dormir, mas não o sono. Brota-me aos olhos a descrença do que sou, ou do que penso ser, brota-me aos olhos incuráveis insônias de desespero, desespero, desespero, brando aos olhos de quem desconhece o sabor amargo da alma. A angústia rouba-me a força, até esquecer-me de mim mesmo. O único cheiro que sinto é o odor fétido da minha própria putrefação, da gaseificação podre de meu castigo. O som que ouço são notas cansadas de uma “Va, pansiera”, que passeiam em meus ouvidos, como se me açoitasse em notas curtas e fúnebres. As lágrimas que escorro são sólidas, somente sal. Por mais que procure, jamais descubro onde se esconde o erro. Provavelmente coberto por alguma outra casca humana que não a minha. É como se, de repente, tivessem roubado todos os móveis da minha casa. Vazio.
Uma “desvontade” de dispor os pés um a frente do outro. Resta-me um caqueiro. É como se faltasse vontade. Ou uma mão para segurar, não me sei. É como se faltasse ao espírito uma voz para dizer-lhe “é isso que você quer”. Não sei o que quero, quem sou, se sou, e porquê sou. Em algum passo mal dado, deixei que caísse meu sujeito agente, de tal forma que me despi de desejo, sonho, ou qualquer coisa que sugira normalidade a um ser humano.

sexta-feira, 3 de agosto de 2007

A ausência se faz presente cada vez mais. Seus suspiros não são mais sentidos como antes e seus sussurros são ouvidos de longe, d'algum lugar distante, levados pelo vento com uma sensação de completa nostalgia... Ela corria destemidamente, seus cabelos rebatiam no seu rosto. Mas havia algo de estranho na sua face, sua expressão não era a mesma... Havia um misto de rancor, amargura e liberdade na sua feição. Arrependimentos? Alguns. Talvez houvesse algo a ser ainda pior... Talvez.

sábado, 7 de julho de 2007

Inesperadamente ela foi tomada por um desânimo gigantesco. Havia um filete da sua alma em algum lugar, vagando entre tantos espaços preenchidos de nada. As lacunas se estreitavam e lhe tiravam o fôlego. Arfava. Seu andar era cada vez mais apressado e respirar se tornava uma tarefa ainda mais difícil. Sua visão embaçava e o cerco se fechava mais e mais. Entrava num estado de vertigem, anestesiada pelo odor ocre que circundava seus sentidos. Numa espécie de transe, no paroxismo de toda a sua aflição, conseguia não pensar em mais nada. Estava pálida, desnorteada, embebida de uma cólera intempestiva, contra a qual não podia lutar. Arrastava-se por toda aquela imundície e essa total falta de asseio a incomodava. Movia-se cada vez com mais dificuldade, tentaria ainda alçar sobre tanta mediania. Desesperada, derramava lágrimas que não causavam nenhum efeito a quem passava. Clamava por ajuda e o seu brado parecia emudecer.
Entretanto, toda aquela estranheza que a moça vinha percebendo pareceu não lhe tirar o que de mais valioso ela possuía. Seus devaneios de vaga compreensão tornavam-na ainda mais abstrata e, por sua vez, singular, ímpar. A sua beleza ressaía e só poderia ser notada por alguém com olhos igualmente belos, pois transcendia qualquer tipo de figura, e aquilo que a rodeava era indigno de manifestações que partissem dela. Era uma ilustração exótica, com olhos firmes, fixos, determinados. Seu sorriso era de menina e ela parecia frágil.
A moça ia vivendo numa uniformidade irritantemente insípida, uma monotonia constante, mas não esquecia que havia de honrar seus princípios e lutar por suas causas. Mal sabia ela que, em algum lugar do universo e mais perto do que ela imaginava, havia também alguém que sentia o mundo como ela, que se incomodava com as mesmas coisas, que possuía desejos incontroláveis e gritantes dentro de si, que gostava de substâncias sápidas, de imagens coloridas, de sensações verdadeiramente sinestésicas. Alguém tão intensa quanto ela era e esperava que os outros fossem. Eram as duas metades do mesmo verso e isso tinha que vir à consciência. Feito isso, o mundo não seria mais o mesmo. Um encontro seráfico acontecia e ambas pareciam sorrir meigos sorrisos, de satisfação e entrega. Amavam-se antes mesmo de tomar conhecimento daquele sentimento de amizade e cumplicidade. Sentiam-se ao longe, mesmo quando os corpos não estavam perto e a matéria era mero detalhe. Seus pensamentos uniam-se, davam as mãos e bailavam canções que só elas entendiam. Abraçaram-se, como forma de selar um acordo. E permaneceram assim... Durante muito tempo.

(pra você! 05/07/07, às 04:03)

domingo, 20 de maio de 2007

Saudade.

Hoje bateu uma saudade...
Saudade do que fui
Do que não fui
Saudade do que passou
Saudade do que não tive
Saudade de um sorriso que esqueci junto a uns pedregulhos depois daquela esquina
Saudade do que não vivi
Saudade de mim, enorme saudade de mim
Senti saudade dos amigos que foram junto com os erros
E saudade dos amigos que não tive
Senti saudade ainda de andar olhando meus passos como uma criança que não pretende errar a passada “direita, esquerda, direita, esquerda...”
Senti saudade do cheiro de sol nascendo quando minha vida era ainda uma escola de mal-entendidos
Senti saudade do balanço do sítio, do balançar do balanço do sítio
Saudade da lágrima sincera sem motivos pra si mesma
Saudade do silêncio das bocas malditas, das bocas mal ditas, e mal descritas que sopravam minhas idéias, meus absurdos
Senti também saudade das Morenas
Saudade da prateleira cheia de livros e ilusões
Saudade de jogar meu medo nos dados e esperar a coragem chegar
Saudade da falta de músicas de ninar
Não, não me existiu música de ninar
Saudade do encantamento ao ver pessoas chegarem
Não, não existem mais pessoas
Saudade da astúcia de mãos enfeitadas com buquês...
...buquês cor de saudade
Não, não existe mais saudade.

sexta-feira, 27 de abril de 2007

Mulheres.

São fadas, são bruxas

São a redenção dos pecadores, a tentação das pecadoras

São o segredo de nós todos

São jardins de lírios irrigados com doses de saliva profana de beijos dissimulados

São a pureza mergulhada no pecado

São tudo o que não se pode explicar, e se não se pode explicar, vibra misterioso, e o misterioso nada mais é do que incógnita perfeita

São as musas das telas emolduradas por dós, rés, mis e fás

São a bula de letras miúdas, perdidas e infinitas

São morenas cor de tempestade

São pálidas, cor de saudade

São múltiplas, cor de aquarela, de Tarsila, ou de algodão-doce

São o pó mágico de Deus que faz tudo ficar belo

São o fundamento, são a lei

São o avesso de suas reviravoltas, das minhas

São o doce sabor ajaboticabado de uma fruta que esperou o outono partir para cair

São harpas elétricas

São a primeira gota de água bebida

São a fantasia do carnaval, a máscara invisível da nitidez

São Clarices, Olgas, Carlas, Ednas e Marias

São o atalho por um bosque cheio de magia e portas secretas

São lábios envoltos por um feitiço tropical de danças e redemoinhos

São mãos carregadas de flores, sensíveis, mudas e venenosas

São o inalcançável

São o indecifrável

São eu.

Sou eu.

terça-feira, 17 de abril de 2007

Cena (não)descrita

Seu passo apressado me deixava confusa. Me deixava pensativa, a olhar sempre para o horizonte, vendo sua figura sumir aos poucos. Seus trejeitos remetiam a uma caricatura, tão expansivos que eram. Seu olhar era incerto, ambíguo, me deixava verdadeiramente embaraçada. Era uma figura escorregadia, de fato.
Sua postura me era familiar, seus passos, seus gestos eram todos por mim conhecidos. Sua maneira própria de segurar a caneta e de escrever com a canhota, seus olhares soslaios e sinuosos, sua obliqüidade peculiar...
Sua aparência ofegante, cansada, necessitada de afago. Seus gestos amáveis, nobres, outros nem tanto. Sua vaidade quase despercebida, seu orgulho sutilmente ferido. Suas concepções transformadas e temerosas. Seu medo inimigo. Meu medo amigo.
Suas unhas roídas por vício assemelhavam-se às minhas, roídas por ansiedade. Suas mãos estavam pegadas às minhas, ligadas por algo que eu não saberia explicar, contínuas, coladas pelo suor que emanava da minha pele. Ininterruptas, como um só corpo.
Seu espírito livre, seu pensamento preso, atado a mim. Sua existência. Minha existência.

domingo, 15 de abril de 2007

O espetáculo.

A primeira luz. A segunda, a terceira, várias, indecisas... Acesas, pareciam peças de um colorido impiedoso. Abriram-se as cortinas, inflamáveis, lascivamente cegas, rubras de pecado e de vergonha. Em meio a sua delicadeza disforme de bailarina, nasceu um rosto cínico, pintado de cores indefiníveis e irrefutáveis. Carnavalescas, fúnebres, pálidas. Parecia uma arte sem rascunho, sem ensaio, somente um escândalo inacessível de suas vontades tímidas. Sua coreografia ritmava meus gritos, dispunham-no numa seqüência tão constante, quanto bela, tão pálida, quanto breve. Vestiu a poesia da fêmea de mim, calçou versos cor de letargia. Respirava meu sufoco impróprio. Era a perfeita escultura da mentira condenada. Era a linda estrofe de meu colo ansioso. Seu tango solitário recitava faces de dúvidas irremediáveis, confundindo-me, aos poucos, com o meu medo de não me ser. Seus passos trôpegos dançavam minha dança épica. Seus olhos calados sorriam minha boca muda. Seus olhos calados sorriam. Minha boca, muda.

quarta-feira, 11 de abril de 2007

Ela.

No início, suas sobrancelhas arqueadas me amedrontavam, pareciam peças malévolas, criadas para repelir qualquer aproximação, ou para sugar energias, não sei. Traços densos. Davam-me arrepios. Seus dedos delgados ainda não sugavam meu universo a seus pequenos detalhes. Era a atriz principal de um palco em que as cortinas ainda se mantinham fechadas. Mas passa-se o tempo. E com ele ascendeu um par de... Como é mesmo o nome? Sim! Olhos, um par de olhos... Quanta ternura numa só cor, num só verde. Espessos, perdidos em segredos, um conjunto de atropelos, súbitos e constantes, sempre firmes, quase inacessíveis, todavia vulneráveis. E esse casal fundiu-se ao sorriso, convite dos lábios a uma hora de prosa, a uma vida de poesia. Mesclou-se ao desejo, inquietação da alma, subversão do corpo. Roubou-me o equilíbrio e os holofotes. Fez dos devaneios, desejos intensos de realidade. E agora, as sobrancelhas irascíveis não mais assustam, não passam de uma moldura, de um intensificador substancialmente frágil, idílico e arrebatador de nós mesmos.

domingo, 8 de abril de 2007

E que haja a luz

E é como se tudo se desfizesse rapidamente. Um clarão de luz te absorve completamente e você cambaleia por instantes. Oscila pra cá, mais do que pra lá. É uma cegueira temporária.
Com a mesma rapidez e intensidade que vieram as coisas, vão embora. Essa é a lei natural que tudo move...
É tudo muito relativo, e até o muito relativo é absoluto.
Completamente sem inspiração...

quarta-feira, 4 de abril de 2007

A cadeia e os princípios ativos

Por que só pensamos em dar “aquela” resposta após ter passado a oportunidade? Talvez porque o momento não merecesse a nossa resposta, e talvez o futuro não seria se sua fala fosse proferida. Mas esta não seria, esteja certo.
Por que só encontramos quando desistimos de procurar? Um brinco, um livro, um amor...
O brinco e o livro podem ser os princípios de uma cadeia de acontecimentos. Perde-se o brinco, substitui-o, chama atenção por algo específico que “os perdidos” não tinham e daí pode-se imaginar diversas continuações, apesar de, somente uma, ser “concretamente” válida. Perde-se o livro, perde-se a aula, sai da classe, passa por um desconhecido que te pede as horas e, quem sabe, depois de uns dias, ganha seu tempo. Quanto ao amor, porque talvez não tenha passado por antecessores momentos suficientes para te tornarem “merecedor (a)” de um bem específico.
São fatos simples, todavia não isolados.
O que teorizo agora (que, para muitos, será apenas mais uma loucura de homens loucos) pode ser o “princípio ativo” de uma série de acontecimentos, os quais podem implicar a mim, a você, ou a qualquer outro (a) que adentrar a astúcia do nosso pensamento, o pensamento humano.
A “cadeia” acontece todo o tempo, em torno dos milionésimos de segundo. A cadeia é uma “máquina de princípios ativos” com os quais nos deparamos sem saber. Uma chuva que te faz proteger-se em certo lugar, um desentendimento que te faz mudar os planos de uma noite, uma música, um filme, um livro...
Há, ainda, duas coisas importantes a se ressaltar.
Primeiro: a conseqüência dos “princípios ativos” pode ser extremamente imediata, mas também podem ativar uma seqüência longa de fatos que só culminará no objetivo após um longo tempo (dias, meses, anos...), dependendo, inclusive, de “princípios” de outrem, que se intercalam, mesmo que para fins diferentes.
Segundo: sabendo-se que há um “objetivo” indispensável e certo, não se pode recorrer à inércia proposital, pois negligenciaria sua participação na cadeia que, por sua vez, só existe enquanto você vive em função de seus objetivos, mesmo que estes não sejam “reais”, ou seja, conseqüência independente das “ativações”. O ócio invalidaria a seqüência de acontecimentos.


Não aprendi, ainda, a concluir teorias, contudo creio que a melhor conclusão fica a critério das mentes que a terão a seus alcances.

Dias 13.02.07

A fruta proibida

O que seria dos nossos imaginosos corações se não criassemos universos paralelos? Aproveitando realidades inventadas, situações particulares e inesperadas(no mundo real, é claro), saboreando cada momento verdadeiramente especial, momentos que nunca aconteceram de fato... Fechando os olhos e sentindo o que é realmente de desejo seu. Percebendo instantes de excitação. Tocando faces com simples movimentos no ar. Contando fábulas para si mesma, aponderando-se astuciosamente do outro. Desejando pêras.
A espera tem um doce sabor amargo. Paciência. Por que será? A espera pelo dia de chegada no plano real da compra da maravilhosa pêra será diretamente proporcional à percepção que se terá da importância e singularidade daquele momento, quando ele estiver chegado. Enquanto isso, imagino ela me esperando numa vitrine, entregando-se aos poucos, até o instante em que terei dinheiro suficiente para comprá-la. As saliências que a fruta apresenta me enchem a boca de água.
Uma vez ou outra, fico a espreitá-la atentamente. Observo com grande minúcia, reparo nas suas curvas, nos seus tons e sinto aquele suave cheiro de longe. Quando menos espero, sou surpreendida por alguém a me ver babar pela fruta. Conto-lhe então, com um certo acanhamento e um rubor desconcertante nas maçãs do rosto, o quão grande é meu apetite e verdadeira a minha intenção em possui-la. À medida que vêm e vão as Luas, sinto que a pêra torna-se ainda mais suculenta. E, como consequência, torna-se ainda mais proibida também. Receio que nem Adão e Eva, criados diretamente a partir de uma atitude divina, conseguiriam resistir a essa tentação.

terça-feira, 3 de abril de 2007

De olhos fechados.

Ontem fechei os olhos. Transfigurei meu mundo, criei vários planos. Ciclos em ciclos. Sempre doces mundos, sempre certos ciclos. Fugi para o futuro, ou melhor, ele me seduziu. Imaginei-me cinco horas, dez dias, vinte anos na frente. Meus desejos inconfundíveis tomaram liberdade de criar suas próprias trilhas sonoras. Criei paisagens, fundos do meu protagonismo indecente, do meu livre egoísmo. Senti o alívio de roubar o sol para o meu “pôr” e beijar os lábios melífluos de uma garota que derramava seu amor por mim. Em suspiros, em planos, em espelhos. Vi amigos numa gargalhada escandalosa, contínua e paralela, alguém deve ter contado uma piada, não me lembro bem. Criei padrões impossíveis, daqueles que só os devaneios explicam. Desenhei-me com gosto de todos os paladares. Coloquei a lua na minha janela, a meia-luz no meu ritmo e o eco nas minhas palavras. Mas foi ficando fácil, muito fácil e não controlei.

Passou. Agora já estão abertos.

segunda-feira, 2 de abril de 2007

Nota sem nome.

Quero-me “abobalhar” nas fantasias
Quero ouvir notas que formem um só nome
Quero sentir aquela aflição que distrai, sentir o que não mais sei sentir
Quero lembrar o que é amor
Quero me livrar da secura, das desconfianças e critérios inúteis
Quero me largar, despejar-me ao alcance de fadas e duendes coloridos
Quero lembrar o que é isso, suspirar de amor, ser patético, cantar pieguices
Quem o tem é feliz, garanto
Quero sofrer com a dor de não ser correspondido
Quero ter alguém para lembrar quando ouvir aquela musica, ou assistir àquele filme
Como é mesmo que se faz?
Quero alguém pra me dizer que é pra sempre, mesmo sabendo que não será
Não sei mais sentir, não sei mais sentir...
Quero sentir a costura das mãos, dedo por dedo, um acúmulo simples e perfeito de ternura
Quero amar além do medo
Quero sentir-me vivo
Como é mesmo que se faz?
Não sei mais sentir

domingo, 1 de abril de 2007

Monólogo

Às vezes nos sentimos como seres incompletos, estranhos no ninho, à procura de algo maior, mais intenso, arrebatador. Somos vítimas de uma fadiga, uma canseira, uma inércia, um tédio, uma monotonia, uma ânsia por algo que não existe, uma saudade de algo que nunca aconteceu, ou pelo menos algo que já aconteceu mas que ainda não veio à tona... Se é que vocês me entendem!
A natureza homogênea das coisas me faz pensar... Apenas pensar. Essa similaridade traz sentimentos nada otimistas. É angustiante imaginar a maneira como tudo é tão igual, uniforme. Tormento! O vazio me preenche... De uma forma inimaginável! Sentimentos no vácuo.
Há uma constante falta de sentido. Nada de gradação de cores, matizes, apenas tonalidades opacas... Uma insipidez (in)suportável.
Essa nostalgia amiga faz com que eu me olhe no espelho e veja outros olhos em um velho rosto conhecido. Olhos de uma outra época, distante...
Necessita-se de uma injeção de ânimo.
Desfalecendo estou...