terça-feira, 27 de setembro de 2011

Eu juro

Pelo homem que deu por cachaça
O dinheiro que compra seu pão
Pelo outro que deu, por desgraça,
O que tinha em seu coração.


Pela santa que chora em vermelho
Pelo velho que jaz no caixão
Pelo estranho que eu miro no espelho
Pela moça que inspira a canção
Pelo moço que canta o fado
Pelo artista que pinta com o pé
Pela virgem que cheira a pecado
Pelo ateu que vive da fé
Pelo surdo que toca piano
Pelo cego sem medo do escuro
Pelo tolo e seu tolo engano
Pelo homem que reza no muro
Pelo réu que jura inocência
Pelo cão que lambe seu dono
Pelo escravo que pede clemência
Pelo anjo que vela o teu sono
Pelo soldado sem dia seguinte
Pelo rosto que está no jornal
Pelo sem-teto e sem requinte
Pelo mendigo do sinal
Pelo palhaço que chora
Pela estudante que ama
Pela amante que implora
Pela velha que reclama
Pelo velho que não escuta
Pelo ambulante que berra
Pelo menino que luta
Pela gente que erra
Pela mãe que espera seu filho
Pelo pai que rouba por fome
Pelo insano que deita no trilho
Pela puta que tinha o teu nome


Pelo amigo que abraça
O amigo em pranto
Pelo Pai, pelo Filho
Pelo Espírito Santo


Pelo amor da minha vida
Que ainda vou conhecer


Eu juro e, de novo, eu juro
Que agora eu vou te esquecer.

(Marcelo Almeida)

sábado, 13 de agosto de 2011

Desconheço aquilo que conheço

Como se atirar no desconhecido se ele se esconde ainda mais?
Como segurar nas mãos o que se esvai entre os dedos?
Como desejar tanto aquilo que nem se mostra?
Como se sentir arroubado por uma sensação inexplicável?
Como lidar com a altivez que penetra novamente nas veias?
Como saber?
Como ter?
Como lidar?
Como sonhar?
Se os nossos sonhos já não são mais os mesmos...
Se até mesmo nós não somos mais os mesmos.
Apenas a lucidez continua impetuosa...

quinta-feira, 13 de março de 2008

Catalepsia


A parte mais ignóbil de mim mesma percorre os espaços entre os olhares que me são dados, transpassa toda a candura que anteriormente me cabia. Aquela parte que nem sempre se mostra, a mais abjeta, a mais vil.
Os meus pensamentos mais torpes são desmascarados e, desnudos, ratificam o que sou capaz de fazer. As minhas vergonhas são expostas, levantadas ao alto por aqueles que pretendem validar seus orgulhos.
A verdade é que a gente continua a tentar...

segunda-feira, 15 de outubro de 2007

Estrelas


A noite vinha e, junto com ela, vinha também a ansiedade, a incerteza e as Estrelas. Elas vinham devagar, teimando contra a própria gravidade, ao meu encontro. Singelas, suaves, brilhantes. Os olhos se encontravam sem jeito e os sorrisos, cada vez mais sem graça, pediam o encontro das mãos. E assim se fez. As mãos se apertaram, a noite era quente. O brilho dos olhares confundia-me a cabeça, o céu estava mais próximo do que se imaginara. Os corpos celestes, inebriados pelo delicado toque, extravasavam sensações, bailavam tenros acordes, e a harmonia parecia estabelecer-se.
Inexplicavelmente, as Estrelas tinham um brilho tão intenso que a física quântica desconheceria. Essa vivacidade que possuíam me prendia os olhos e me abduzia, deixava-me num transe cíclico, num conflito que fazia meu coração disparar, numa implacável exaltação. Esse êxtase indizível só fazia com que eu as contemplasse mais e mais. Eu suspirava pela sua magnitude absoluta e tinha medo do que aconteceria depois, depois, depois...
Ah, as Estrelas...

sábado, 1 de setembro de 2007

Foi-se...

Foi-se o tempo em que as pessoas cantavam a nostalgia das tardes de incessantes abraços.
Foi-se o tempo em que as mãos unidas, assíduas, representavam um só corpo, com o mesmo suor saindo pelos poros.
Foi-se o tempo em que a timidez era o resultado de compassivos olhares trocados e os rostos ficavam tão rubros, a ponto de queimarem de tanto acanhamento.
Foi-se o tempo em que havia a impávida necessidade de auto-afirmação e de se provar capaz.
Foi-se o tempo em que a companhia era deglutida e absorvida como um todo.
Foi-se o tempo em que saudades eram sentidas, como lanças afogueadas que perfuravam os corpos, enchendo-os de ardor.
Foi-se o tempo em que essas saudades eram satisfeitas e renasciam logo após, como chamas ainda mais vivas, audaciosas labaredas.
Foi-se o tempo do amor.
Do amor...

quinta-feira, 30 de agosto de 2007

O circo.

Era uma vez um circo.
Palhaços, mágicos e saltitantes bailarinas.
Na platéia, adultos trágicos, e alturas pequeninas.
Abriu-se a cortina.
“Lá vem”, disse o pai;
Enquanto ria-se a menina.
Do palhaço que debochava do palhaço que caia tropeço acima.
“Nada demais”, zombou a pobre da granfina.
O homem lá em cima gritou o pipoqueiro.
“Shhhh!”, respondeu, crítica, a atenciosa traquina.
Cujos olhos abobalhavam-se com o despudor do equilibrista.
Que caía e não caía aos passos da sua retina.
Era apenas uma menina.
Passaram elefantes, leões e alguns domadores.
Passou também a “mulher balofa”, chamada Serafina.
Engraçado, riu-se mais a moça do que a criança cristalina.
Enfim, veio o mágico, que, com lenços e maestria, fazia a alegria da Sabrina.
“É truque”, falou um homem alto que cheirava a cafeína.
E a garotinha não desistia de encontrar um vacilo nas mãos do mágico.
Mas se conformava feliz.
“Ele tem poder”, era sua sina.
Que não a mesma do pai, do homem alto e da granfina.
Tão perfeita em sua rotina.
Eram pálidos, tiraram a maquiagem de suas próprias bailarinas.
Tão diferente das infâncias.
Que queriam, logo, pintar-se atrás daquelas cortinas.

sexta-feira, 24 de agosto de 2007

Meus olhos estavam marejados de lágrimas e encharcados de saudades. Permaneci imóvel, embriagada pelo sabor daquelas palavras que teimavam em saltar do papel e me preencher de certa forma que me fazia remontar tempos longínquos. Aquela sensação de nostalgia e a breve emoção vinha inconscientemente e minhas mãos suavam frio, tremiam. Com a visão embaçada, as letras já se misturavam e eu preferi fechar os olhos e deixar que a imaginação me levasse a onde eu desejava. A partir de então, a luz se fez e as figuras tornaram-se sólidas, nítidas, não mais embaçadas como antes. A névoa que pairava à minha frente foi esvaindo-se, dissipando-se pouco a pouco... O mundo então recuperou toda a lógica que havia sido entregue aos insensatos. A coerência e loucura andavam lado-a-lado e a demência dos meus olhos, estavam nos seus e nos dele também. Senti meu corpo dormente, pensei que não iria voltar nunca mais. Suei, senti, troquei os pés, atei-os e não mais andei. Desvairada estava. Desvaneci.