sábado, 7 de julho de 2007

Inesperadamente ela foi tomada por um desânimo gigantesco. Havia um filete da sua alma em algum lugar, vagando entre tantos espaços preenchidos de nada. As lacunas se estreitavam e lhe tiravam o fôlego. Arfava. Seu andar era cada vez mais apressado e respirar se tornava uma tarefa ainda mais difícil. Sua visão embaçava e o cerco se fechava mais e mais. Entrava num estado de vertigem, anestesiada pelo odor ocre que circundava seus sentidos. Numa espécie de transe, no paroxismo de toda a sua aflição, conseguia não pensar em mais nada. Estava pálida, desnorteada, embebida de uma cólera intempestiva, contra a qual não podia lutar. Arrastava-se por toda aquela imundície e essa total falta de asseio a incomodava. Movia-se cada vez com mais dificuldade, tentaria ainda alçar sobre tanta mediania. Desesperada, derramava lágrimas que não causavam nenhum efeito a quem passava. Clamava por ajuda e o seu brado parecia emudecer.
Entretanto, toda aquela estranheza que a moça vinha percebendo pareceu não lhe tirar o que de mais valioso ela possuía. Seus devaneios de vaga compreensão tornavam-na ainda mais abstrata e, por sua vez, singular, ímpar. A sua beleza ressaía e só poderia ser notada por alguém com olhos igualmente belos, pois transcendia qualquer tipo de figura, e aquilo que a rodeava era indigno de manifestações que partissem dela. Era uma ilustração exótica, com olhos firmes, fixos, determinados. Seu sorriso era de menina e ela parecia frágil.
A moça ia vivendo numa uniformidade irritantemente insípida, uma monotonia constante, mas não esquecia que havia de honrar seus princípios e lutar por suas causas. Mal sabia ela que, em algum lugar do universo e mais perto do que ela imaginava, havia também alguém que sentia o mundo como ela, que se incomodava com as mesmas coisas, que possuía desejos incontroláveis e gritantes dentro de si, que gostava de substâncias sápidas, de imagens coloridas, de sensações verdadeiramente sinestésicas. Alguém tão intensa quanto ela era e esperava que os outros fossem. Eram as duas metades do mesmo verso e isso tinha que vir à consciência. Feito isso, o mundo não seria mais o mesmo. Um encontro seráfico acontecia e ambas pareciam sorrir meigos sorrisos, de satisfação e entrega. Amavam-se antes mesmo de tomar conhecimento daquele sentimento de amizade e cumplicidade. Sentiam-se ao longe, mesmo quando os corpos não estavam perto e a matéria era mero detalhe. Seus pensamentos uniam-se, davam as mãos e bailavam canções que só elas entendiam. Abraçaram-se, como forma de selar um acordo. E permaneceram assim... Durante muito tempo.

(pra você! 05/07/07, às 04:03)